terça-feira, fevereiro 15, 2011

A questão da redução sociológica em Guerreiro Ramos e sua dificuldade de aplicação na visão de Tragtenberg e Motta

Para entender o conceito de redução sociológica é preciso entender que consciência crítica, conforme Ramos (1965, p. 61), “surge quando um ser humano ou um grupo social reflete sobre tais determinantes e se conduz diante deles como sujeito. Distingue-se da consciência ingênua que é puro objeto de determinações exteriores.” Os determinantes nesse caso devem ser percebidos através de seus fatores, levando a aquisição da consciência crítica. Nesse contexto, Ramos (1965, p. 81), explicita que,

No domínio restrito da sociologia, a redução é uma atitude metódica que tem por fim
descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social. A redução sociológica, porém, é ditada não somente pelo imperativo de conhecer, mas também pela necessidade social de uma comunidade que, na realização de seu projeto de existência histórica, tem de servir-se da experiência de outras comunidades.

A realidade de cada comunidade é criada a partir de experiências particulares, as quais moldam uma cultura diferenciada. Os estudos realizados em outras comunidades servem como apoio ao entendimento geral em prol de uma teoria unificada, mas não servem como modelo a ser aplicado sem que se faça uma reflexão in loco do objeto estudado. Ramos (1965) mostra pelas discrepâncias entre a realidade dos Estados Unidos e Brasil, as quais diferem quanto ao enfoque dos estudos sociológicos, ou seja, o que é aplicado lá como estudo e teoria, não reflete as condições e realidade de pesquisa aqui no Brasil. Nesse sentido, Ramos (1965, p. 89), destaca que:

É certo que, na sociedade brasileira, se verificam situações que os sociólogos norte-americanos estudam à luz de conceitos como ‘controle social’, ‘assimilação’, ‘acomodação’, ‘conflito’, ‘isolamento’, ‘contato’ e, portanto, esses conceitos são aqui aplicáveis. Mas o importante é assinalar que tais situações, na etapa atual do Brasil, não têm a mesma relevância que nos Estados Unidos.”

Um importante aspecto em Ramos (1965, p.112), é a lei do comprometimento, a qual ressalta que “nos países periféricos, a idéia e a prática da redução sociológica somente pode ocorrer ao cientista social que tenha adotado sistematicamente uma posição de engajamento ou de compromisso consciente com seu contexto.” A posição de engajamento é,

baseada numa crítica radical, ou seja, numa reflexão sobre os fundamentos existenciais da ciência em ato ou da produção cientifica [...] é também a condição indispensável para que o cientista desses países se libere da ‘servidão intelectual’, transcenda a condição de copista e repetidor e ingresse num plano teórico eminente. (RAMOS, 1965, p. 113)

Ramos (1965) aponta para a importância de originalidade nos estudos para a transformação da realidade local. É buscando pesquisar com vistas ao futuro que o cientista consegue vislumbrar a redução sociológica, contribuindo para a não assimilação automática do saber estrangeiro.
A necessidade de se elaborar novos estudos com premissa de redução sociológica tem como pré-requisito a libertação de esquemas pré-concebidos aplicados nas universidades brasileiras. Só com mudanças na forma de ensino, impregnada de uma sistematização burocrática, voltada para o mercado capitalista, é possível superar a mesmice. Nesse sentido Tragtenberg (2004, p.12) defende que a universidade,

forma mão-de-obra destinada a manter nas fábricas o nepotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que deformam dados econômicos em detrimento dos assalariados; nas suas escolas de direito, forma os aplicados de legislação de exceção; nas escolas de medicina, aqueles que irão convertê-la numa medicina do capital ou utiliza-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de “um complô de belas almas” recheadas de títulos acadêmicos, de doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produção de um saber a serviço do poder, seja ele de que espécie for.

Lobrot (1973, apud Motta, 1990, p. 48), destaca a questão do ensino sistemático sem reflexão, uma vez que,

o docente acha-se em situação semelhante à do aluno que percorre a infinidade de séries e níveis que vão da pré-escola à universidade e, cada vez mais, às pós-graduações exigidas por um mercado onde a oferta de pessoal formalmente educado é cada vez maior. É desnecessário insistir no papel dos exames e das notas, que se tornam necessárias à medida que todo o sistema é disfuncional. Não havendo qualquer possibilidade de um acompanhamento personalizado, o professor nada pode fazer além de tentar julgar por exames e notas.

Além disso, Tragtenberg (2004) também destaca a questão da universidade como uma “multiversidade” a qual está à venda quando oferece vários cursos com a simples motivação capitalista. A universidade também se torna uma multiversidade quando suas pesquisas são totalmente enviesadas para atender o mercado, esquecendo o caráter substancial inserido em sua missão, que é de retornar à sociedade os frutos de seu trabalho.
A questão a ser discutida é como as pesquisas no Brasil que podem obter um objetivo mais original baseado na redução sociológica, dado que as universidades possuem um viés para o mercado.

Referências bibliográficas

GUERREIRO RAMOS, ALBERTO. A redução sociológica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965.

MOTTA, C.F.P. Organização e Poder: Empresa, Estado e Escola. São Paulo: Atlas, 1990.

TRAGTENBERG, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

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