sexta-feira, maio 20, 2011

O papel das Instituições de Ensino Superior por Tragtenberg, Motta e Lobrot

As Instituições de Ensino Superior são analisadas em algumas leituras feitas a partir de trabalhos de Motta (1990 e 1981), Tragtenberg (1992 e 2004) e citações desses autores sobre Lobrot. A proposta deste ensaio é buscar através das leituras a questão das IES e inferir a partir da vivência e experiência em IES pública e privada.
A universidade passou por transformações desde o século XIX para poder se adaptar às necessidades do sistema capitalista, para Tragtenberg (2004, pg 12) a universidade,

no século XIX, período do capitalismo liberal, ela procurava formar um tipo de “homem” que se caracterizava por um comportamento autônomo, exigido por suas funções sociais: era a universidade liberal humanista e mandarinesca. Hoje, ela forma mão-de-obra destinada a manter nas fábricas o nepotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que deformam dados econômicos em detrimento dos assalariados; nas suas escolas de direito, forma os aplicados de legislação de exceção; nas escolas de medicina, aqueles que irão convertê-la numa medicina do capital ou utiliza-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de “um complô de belas almas” recheadas de títulos acadêmicos, de doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produção de um saber a serviço do poder, seja ele de que espécie for.

Pode-se inferir que a universidade está formando conforme pede a demanda, principalmente no que tange à universidade brasileira, mais as particulares do que as públicas, pois o mercado de trabalho exige qualificação para fazer frente às novas tecnologias. O título ajuda muito no caso brasileiro, uma vez que cada vez mais exige-se que o candidato apresente uma formação superior, embora esta formação superior nem sempre seja testada.
No caso da docência Tragtenberg (2004, pg 13) enfatiza que,

a transformação do professor “cão de guarda” em “cão pastor” acompanha a passagem da universidade pretensamente humanística e mandarinesca à universidade tecnocrática, na qual os critérios lucrativos da empresa privada funcionarão para a formação das fornadas de “colarinhos brancos” rumo às usinas, aos escritórios e às dependências ministeriais. É o mito da assessoria, do posto público, que mobiliza o diplomado universitário.”

Nas IES particulares o que importa é taxa de sucesso, ou seja, o professor deve ensinar mas não deve reprovar caso o aluno não aprenda, o importante é colocar mais mão-de-obra no mercado. O professor nesse caso faz o seu papel de “cão pastor” para manter-se no emprego. Muitos alunos iniciam o curso de Economia com a pretensão de fazer concurso, ou seja, o aprendizado não importa, a meta é passar em concurso público independente da área, a motivação mor é a renda. Em resumo, “o mundo da realidade concreta é sempre muito generoso com o acadêmico, pois o título acadêmico torna-se o passaporte que permite o ingresso nos escalões superiores da sociedade: a grande empresa, o grupo militar e a burocracia estatal. O problema da responsabilidade é escamoteado, a ideologia do acadêmico é não ter nenhuma ideologia, faz fé de apolítico, isto é, serve à política do poder” (TRAGTENBERG 2004, p.17).
Segundo Tragtenberg (2004, p.14) “a universidade reproduz o modo de produção capitalista dominante não apenas pela ideologia que transmite, mas também pelos servos que ela forma”, destacando que a manutenção do sistema capitalista depende em grande parte da “qualidade” da formação do estudantes. A escola “conduz a um condicionamento mais longo num quadro uniforme e máxima divisão do saber, que não visa a formação de algo, mas sim a acumulação mecânica de noções ou informações mal digeridas.” (TRAGTENBERG 2004, p.48).
O professor tem um papel essencial na formação e difusão do conhecimento conforme Tragtenberg (2004, p.16), “o problema significativo a ser colocado é o nível de responsabilidade social dos professores e pesquisadores universitários. A não-preocupação com as finalidades sociais do conhecimento produzido se constitui em fator de ‘delinquencia acadêmica’ ou de ‘traição do intelectual’.” Aqui entra a questão da extensão universitária, o conhecimento adquirido junto à comunidade para poder inferir e contribuir para o crescimento da sociedade. A alternativa “é a criação de canais de participação real de professores, estudantes e funcionários no meio universitário, que se oponham à esclerose burocrática da instituição” (TRAGTENBERG 2004, p.18).
A contratação de professores difere entre universidades públicas e privadas, mas conforme Tragtenberg (2004, p.73),

A figura da cooptação aparece na universidade de forma aberta quando o recrutamento de professores e funcionários se dá por relações pessoais e afinidades emocionais. A forma de cooptação dissimulada aparece pelo sistema de concursos, que realizam obedecendo a todos os critérios formais burocráticos, porem o vencedor já está escolhido a priori.

Quando a contratação acontece de forma “acertada” contribui para o corporativismo, resultando em continuação de situações que não contribuem para a evolução do ensino. Esta prática é mais presente nas Universidade Públicas, mas também está presente em menor grau na universidade particular. A diferença é que na particular o professor vai ter mostrar um bom desempenho, enquanto que na pública vai depender de seu relacionamento com seus colegas.
Motta (1990, p. 48), acrescenta que “o docente acha-se em situação semelhante à do aluno que percorre a infinidade de séries e níveis que vão da pré-escola à universidade e, cada vez mais, às pós-graduações exigidas por um mercado onde a oferta de pessoal formalmente educado é cada vez maior”. A formação do professor é feita visando ao mercado e não a sala de aula. A maioria dos mestrados e doutorados enfatizam a pesquisa e esquecem do ensino, formando pesquisadores em vez de professores.
A questão da burocracia é enfatizado por Mota (1990, p. 67),

Nas universidades, o saber é burocratizado. De forma muito semelhante ao que ocorre na empresa, procura-se definir com precisão as esferas de competência dos engenheiros, dos sociólogos, dos cientistas políticos, dos filósofos, dos administradores, dos economistas, dos psicólogos, e assim por diante. [...] essa departamentalização do saber corresponde à lógica da divisão do trabalho industrial, que de resto se torna a lógica da divisão do trabalho social.

A questão que fica é como pode ser mudado este panorama da educação voltada para o mercado de trabalho, voltada para atender as necessidades do capital? Como transformar a universidade em um centro de ensino humanizado e humanizante, que permita que os estudantes possam refletir a sua realidade e contribuir para sua transformação?

Referências bibliográficas

TRAGTENBERG, M. Burocracia e Ideologia. 2. ed. São Paulo: Ática, 1992.

TRAGTENBERG, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Editora UNESP, 2004.

MOTTA, C.F.P. Organização e Poder: Empresa, Estado e Escola. São Paulo: Atlas, 1990.

sexta-feira, maio 13, 2011

A utopia na forma de redes

As redes são formas de relacionamento entre entidades que facilitam várias transações e decisões. Muitos estudos colocam a formação de redes como uma nova forma de desenvolvimento econômico em que as entidades envolvidas atuarão de forma efetiva na construção de um novo arcabouço institucional. A formação de redes se tornou a utopia necessária frente ao desmoronamento das teorias comunistas que apregoavam a transformação da sociedade. Será analisado nas leituras de Fleury e Ouverney (2007), Loiola e Moura (1996) e Junqueira (2006) a questão das redes como um novo processo de desenvolvimento econômico baseado na relação governamental com a sociedade civil.

Para Börzel (1997) apud Fleury e Ouverney (2007, p.16)
redes de políticas [...] são um conjunto de relações relativamente estáveis, de natureza não hierárquica e independente, que vinculam uma variedade de atores que compartilham interesses comuns em relação a uma política e que trocam entre si recursos para perseguir esses interesses comuns, admitindo que a cooperação é a melhor maneira de alcançar as metas comuns.

Para Fleury e Ouverney (2007, p.25), “as principais características dessas redes são a horizontalidade e interdependência entre seus múltiplos nódulos ou participantes, o que as distingue de outros formatos de gestão de políticas, como a contratação e as parcerias.” Dessa forma, “o poder de cada membro dentro da rede vai depender da importância de suas funções para ela (ou seja, o controle de recursos), bem como das ligações de cada organização com um universo mais amplo de organizações.” (FLEURY E OUVERNEY 2007, p.27). Na visão de Loiola e Moura (1996, p.56)

Redes de movimento, redes sociais e redes de solidariedade são expressões que se vinculam aos estudos efetuados no campo dos movimentos sociais. Nesse caso, a rede corresponde a articulação/interações entre organizações, grupos e indivíduos vinculados a ações/movimentos reivindicatórios (ONGs, associações, sindicatos, etc), visando à mobilização de recursos, ao intercâmbios de dados e experiências e à formulação de projetos e políticas.

Segundo Fleury e Ouverney (2007, p. 09), “as transformações recentes no papel do Estado em suas relações com a sociedade impõem novos modelos de gestão que comportem a interação de estruturas descentralizadas e modalidades inovadoras de parcerias entre estatais e organizações empresariais ou sociais.” Dentro dessa perspectiva,

as redes têm sido vistas como a solução adequada para administrar políticas e projetos onde os recursos são escassos e os problemas, complexos; onde existem múltiplos atores envolvidos; onde há interação de agentes públicos e privados, centrais e locais, bem como uma crescente demanda por benefícios e participação cidadã. (FLEURY E OUVERNEY 2007, p.10)

Segundo Moura (1997) apud Fleury e Ouverney (2007, p.12), “a abordagem de redes como expressão dos novos arranjos organizacionais que emergem da atualidade indica o esgotamento da capacidade de integração das instituições representativas tradicionais, bem como da eficácia das organizações burocráticas e do modelo de planejamento centralizado.” Dessa forma, conforme Fleury e Ouverney (2007, p. 12),

a formação de estruturas policêntricas que configuram uma nova esfera pública plural resulta de um deslocamento não só do nível central de governo para o local, mas também da esfera do Estado para a sociedade [...] o poder local se torna protagonista da articulação entre organizações governamentais, empresariais e sociais, ampliando a rede de ação pública por meio da inclusão de novos atores políticos.

A participação da população na “formulação e gestão das políticas sociais cria as condições para o desenvolvimento da cidadania e a emancipação dos setores populacionais marginalizados, ao mesmo tempo em que transforma as estruturas autoritárias do Estado, gerando formas de co-gestão pública.” Fleury e Ouverney (2007, p. 34)
Com as transformações econômicas impostas pela política neoliberal,

fica evidente a incapacidade dos governos centrais para dar uma resposta aos problemas sociais, especialmente no contexto atual de redução do papel das burocracias e de escassez de recursos governamentais. A complexidade dos problemas sociais, a diversidade de atores e interesses conflitantes aí envolvidos, a crescente mobilização da sociedade civil para cobrar atenção diferenciada que respeite as diferenças sociais, a organização de um setor não-governamental que atua cada vez mais no campo das políticas sociais, a intensificação da ação social das empresas, tudo isso são fatores que impulsionam e explicam o florescimento de redes de políticas sociais. (FLEURY E OUVERNEY 2007, p.32)

Surge dessa forma, a configuração de um novo processo de transformação social dado que, conforme Fleury e Ouverney (2007, p. 35):

As redes de políticas... constituem-se, pois, num instrumento fundamental para a gerência das políticas sociais em contextos democráticos, permitindo a construção de novas formas de coletivização, socialização, organização solidária e coordenação social. E, nesse sentido, transcendem o papel de mero instrumento gerencial, na medida que ensejam relações baseadas na confiança (capital social) e processos horizontalizados e pluralistas.

Loiola e Moura (1996, p.59) afirmam que com “o crescente recurso à inter(ação) em rede surge como uma estratégia para enfrentar um ambiente de turbulências e incertezas, caracterizado ainda pela forte competitividade e por crises e movimentos de reestruturação, tanto nos estudos da esfera pública como na dos negócios.”
Para Junqueira (2006, p.196), “os impasses vividos pelo setor público levam à busca de novas saídas, e uma das alternativas privilegiadas para enfrentar os problemas sociais que afetam o conjunto da população são as organizações sem fins lucrativos.” Dessa forma ‘p. 200 A transferência do poder de decisão de políticas sociais para usuários dos serviços, desde que sob controle do Estado, constitui um processo em que o Estado,sem abdicar de suas competências, devolve para a sociedade aquilo que lhe é de direito, o que se denomina devolução social (grifo do autor) (JUNQUEIRA, 2006, p.200).
A questão que se insere é sobre como esta nova reorganização da sociedade pode ser efetivada, dado que os interesses inerentes ao mercado são voltados para individualismo, em detrimento da cooperação.

Referências bibliográficas

FLEURY, S. OUVERNEY, A.M. Gestão de Redes: a estratégia de regionalização da política de saúde. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2007.

LOIOLA, E. MOURA, S. Análise de redes: uma contribuição aos estudos organizacionais. In: FISCHER, T (Org.) Gestão contemporânea: cidades estratégicas e organizações locais. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1996.

JUNQUEIRA, L. Organizações sem fins lucrativos e redes sociais na gestão das políticas sociais. In: CAVALCANTI, M (Org.) Gestão social, estratégias e parcerias. São Paulo: Saraiva, 2006.