quinta-feira, fevereiro 24, 2011

O processo de globalização e dependência em Celso Furtado: Ele estava certo?

Celso Furtado juntamente com Prebisch e Fernando Henrique Cardoso são os teóricos do processo de dependência econômica da América Latina. Seus estudos foram importantes para entender o papel das economias ditas subdesenvolvidas na economia mundial. Celso Furtado buscou dentro da percepção histórica da macroeconomia a explicação para problemas econômicos e suas possíveis soluções. Seus estudos são de grande valia para entender o desenvolvimento econômico e suas nuances, principalmente no que tange aos países da América Latina.
A crescente busca por mercado consumidor, por parte das empresas multinacionais, faz com que haja uma nova política na qual os governos periféricos “redistribuem” renda, principalmente por meio de programas de combate à pobreza e melhoria do crédito. Resultado: crescente endividamento das famílias.
A questão ambiental permeia a discussão em Furtado (1996, p. 12), segundo o qual “a evidência à qual não podemos escapar é que em nossa civilização a criação de valor econômico provoca, na grande maioria dos casos, processos irreversíveis de degradação do mundo físico.” O que demonstra uma antecipação sobre a situação atual em que a preocupação ambiental toma conta dos noticiários e das estratégias governamentais.
Para Furtado (1996, p.14) o “subdesenvolvimento está ligado a uma maior heterogeneidade tecnológica, a qual reflete a natureza das relações externas.” Relações estas estabelecidas entre países ditos “cêntricos” e países em desenvolvimento, nas quais as relações de troca tendem a ser mais proveitosa para os países ricos, que possuem maior poderio tecnológico. E que por isso possui uma maior excedente com o qual,

cria a diferença fundamental e dá origem à linha divisória entre desenvolvimento e subdesenvolvimento é a orientação dada à utilização do excedente engendrado pelo incremento de produtividade. A atividade industrial tende a concentrar grande parte do excedente em poucas mãos e a conservá-lo sob controle do grupo social diretamente comprometido com o processo produtivo. (FURTADO, 1996, p.23)

O consumo é descrito em Furtado (1996, p.24) como a forma de inserção dos países subdesenvolvidos em outro degrau de desenvolvimento, “é pelo lado da demanda de bens finais de consumo que esses países se inserem mais profundamente na civilização industrial.” Furtado (1996, p.45) também enfatiza que

o dinamismo econômico no centro do sistema decorre do fluxo de novos produtos e da elevação dos salários reais que permite a expansão do consumo de massa. Em contraste, o capitalismo periférico engendra o mimetismo cultural e requer permanente concentração de renda a fim de que as minorias possam reproduzir as formas de consumo dos países cêntricos.

A questão da entrada de empresas multinacionais em países subdesenvolvidos é tratada por Furtado (1996, p.25) como “a rápida industrialização da periferia do mundo capitalista, sob a direção de empresas dos países cêntricos, que se observou a partir do segundo conflito mundial, corresponde a uma terceira fase na evolução do capitalismo industrial.” Ou seja, a expansão das economias “cêntricas” encontrou alternativa na conseqüente entrada de empresas multinacionais nos países em desenvolvimento, os quais, dada a necessidade de celeridade em seu processo de crescimento, se sujeitou a aceitar estas empresas e suas exigências. Dessa forma, segundo Furtado (1996, p.26) “a formação, a partir da segunda metade dos anos de 1960, de um importante mercado internacional de capitais constitui o coroamento desse processo, pois permite às grandes empresas liberarem-se de muitas limitações criadas pelos sistemas monetários e financeiros nacionais.” Mas, como tanto a estabilidade quanto a expansão dessas economias dependem fundamentalmente das transações internacionais e estas estão sob o controle das grandes empresas, as relações dos Estados nacionais com estas últimas tenderam a ser relações de poder. Dessa forma, “uma grande empresa que orienta seus investimentos para a periferia está em condições de aumentar sua capacidade competitiva graças à utilização de uma mão-de-obra mais barata em termos dos produtos que lança no mercado” (FURTADO, 1996, p.51). Esta combinação entre custos baixos proporcionado pela mão-de-obra barata e a relação com as instituições governamentais fizeram com que as empresas multinacionais obtivessem grande vantagem comparativa em relação às empresas nacionais. Neste sentido, Furtado (1996, p. 67) deixa claro que

parece inegável que a periferia terá crescente importância nessa evolução, não só porque os países cêntricos serão cada vez mais dependentes de recursos naturais não reprodutíveis por ela fornecidos, mas também porque as grandes empresas encontrarão na exploração de sua mão-de-obra barata um dos principais pontos de apoio para se firmar no conjunto do sistema.”

Com este tipo de relação conforme Furtado (1996, p.79), “o processo de acumulação tende a ampliar o fosso entre um centro em crescente homogeneização e uma constelação de economias periféricas, cujas disparidades continuam a se acentuar.”
Para Furtado (1996, p. 87), “a nova orientação do desenvolvimento teria de ser num sentido muito mais igualitário, favorecendo as formas coletivas de consumo e reduzindo o desperdício provocado pela extrema diversificação dos atuais padrões de consumo privado dos grupos privilegiados.” A conclusão geral que surge é que a hipótese de extensão ao conjunto do sistema capitalista das formas de consumo que prevalecem atualmente nos países cênctricos não tem cabimento dentro das possibilidades evolutivas aparentes desse sistema. Pois conforme Furtado (1992, p. 08) “quanto mais alto o nível de vida das gerações presentes, maiores serão os problemas que deverão enfrentar as futuras.” Enquanto Furtado (1992) defende que o consumo interno deve ser resultado do aumento da massa salarial, a políticas governamentais procuram atingir esta meta através da transferência de renda e aumento do crédito.
A questão a ser discutida é sobre as conseqüências dessa política governamental para aumentar o consumo. Até quando as famílias irão suportar o seu endividamento?

Referências bibliográficas

FURTADO, C. O mito do desenvolvimento econômico. 4. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996.

FURTADO, C. O Subdesenvolvimento revisitado. Economia e Sociedade, n. 1, p. 5-19, ago. 1992.

quarta-feira, fevereiro 16, 2011

A questão da agricultura em Rondônia vis a vis políticas públicas: análise a partir de Bourdieu

Através das leituras em Bourdieu (1998; 2005) e utilizando o conceito de campo, será demonstrada a relação dos agricultores familiares com seu meio, buscando entender a questão da cultura local.
A colonização de Rondônia se acelerou concomitantemente com a construção da Transamazônica, que permitiu a fixação de famílias ao longo da rodovia através de políticas governamentais que incentivavam o povoamento da região. Rondônia possui duas levas de imigrantes distintas, ao sul estão imigrantes oriundos do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e, em menor parte, de São Paulo, ao norte estão imigrantes oriundos da Região Nordeste do Brasil. A região Norte de Rondônia foi colonizada por nordestinos devido à incentivos para povoamento da Região, enquanto o Sul teve seu desenvolvimento pautado pela busca por novas oportunidades agrícolas e se desenvolveu posteriormente à colonização do Norte.
Enquanto o Sul de Rondônia possui uma agricultura mais avançada, no Norte predomina a agricultura de subsistência, fato este que caracteriza as discrepâncias entre as culturas de colonização. Enquanto que no Sul os agricultores se organizam e conseguem, dessa forma, pressionar as instituições públicas por melhorias, no Norte ainda não há esta organização, tornando mais difícil seu desenvolvimento. A destinação da produção também é diferenciada, no Sul ela é voltada para o mercado local, nacional e internacional, no Norte ela é voltada para consumo local.
As políticas públicas desenvolvidas no Norte de Rondônia procuram desenvolver uma agricultura sustentável, ou seja, uma agricultura baseada na produção com manutenção do meio ambiente, para isso recorre-se aos sistemas agroflorestais.
Para análise da forma de colonização e principalmente para entender o processo de produção de Rondônia utilizando o conceito de campo, é necessário explicitar aqui como ele é definido segundo Bourdieu (2005). Em termos analíticos, um campo pode ser definido como uma rede ou uma configuração de relações objetivas entre posições (de domínio ou subordinação). Estas posições estão objetivamente definidas, em sua existência e nas determinações que impõem sobre seus ocupantes, agentes ou instituições, por sua situação presente e potencial na estrutura de distribuição de espécies de capital cuja posse comanda o acesso a vantagens específicas que estão em jogo no campo, assim como por sua relação objetiva com outras posições. Nesse contexto pode-se estabelecer características que denotam campos diferentes entre as regiões Norte e Sul de Rondônia, enquanto aquela ainda se mantém em um sistema primitivo de produção, aceitando as determinações de comando vindo de fora, esta se estabelece como uma unidade na qual as decisões são tomadas endogenamente, repercutindo em ações junto às instituições públicas quanto as suas políticas.
Outra característica enfatizada por Bourdieu (2005) na questão do conceito de campo é a de que os participantes de um campo, indústria, comércio ou serviços, buscam constantemente introduzir diferenciação em seus produtos, buscando se estabelecer no mercado com mais força de que seus rivais, ou seja, como espaço de forças potenciais e ativas, o campo é também um campo de lutas que tende a preservar ou transformar a configuração destas forças. As estratégias dos agentes dependem de sua posição no campo, isto é, na distribuição de capital específico e da percepção que tenham do campo segundo o ponto de vista que adotem sobre o campo. Neste sentido, a Região Norte tende a reproduzir uma competição intra-campo que procura manter o status quo existente, sem que esta competição faça diferença no estabelecimento de metas entre os integrantes do campo, cada qual procura produzir o suficiente para si sem se importar com a reprodução ampliada do capital. A Região Sul por outro lado, procura a inserção no mercado capitalista através da participação de seus membros de forma coletiva. A competição existe como forma de fortalecer o grupo, transformando em resultado comum toda as externalidades criadas pelas inovações que venham a ser introduzidas.
Para Bourdieu (2005), o sistema escolar, o Estado, a igreja, os partidos políticos ou os sindicatos são campos. Em um campo, os agentes e as instituições lutam constantemente, de acordo com as regularidades e regras constituídas. Os que dominam um campo dado estão em posição de fazê-lo funcionar para sua conveniência, mas sempre devem enfrentar a resistência e as pretensões dos dominados. As regiões Norte e Sul de Rondônia possuem instituições que promovem políticas similares com resultados diferentes, as demandas são diferenciadas, fazendo com que cada região reaja conforme as forças de poder estabelecidas.
Segundo Bourdieu (2005), as práticas moldam uma economia, isto é, seguem uma razão imanente que não pode restringir à razão econômica, pois a economia das práticas pode ser definida em referência a um amplo espectro de funções e finalidade. Neste sentido, a Região Norte deve ser analisada em diversos aspectos, atentando para as suas características culturais e forças presentes. É necessário buscar através de pesquisas in loco a vocação da Região procurando respeitar o que for encontrado e transformar a realidade através de políticas que se adéquam a um novo panorama, diferente de outras regiões.
A grande questão a ser discutida é como fazer com que os indivíduos componentes dessa Região estabeleçam novas diretrizes para a sua manutenção e crescimento econômico. Como transformar sem que haja uma ruptura, a qual, como já foi tentada por outras políticas públicas, não se mostrou eficaz.


Referências bibliográficas

BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

BOURDIEU, P. El propósito de la sociologia reflexiva (Seminário de Chicago) In:
BOURDIEU, P. WACQUANT, L. Uma invitación a la sociologia reflexiva. México; Siglo XXI Ed, 2005.

terça-feira, fevereiro 15, 2011

A questão da redução sociológica em Guerreiro Ramos e sua dificuldade de aplicação na visão de Tragtenberg e Motta

Para entender o conceito de redução sociológica é preciso entender que consciência crítica, conforme Ramos (1965, p. 61), “surge quando um ser humano ou um grupo social reflete sobre tais determinantes e se conduz diante deles como sujeito. Distingue-se da consciência ingênua que é puro objeto de determinações exteriores.” Os determinantes nesse caso devem ser percebidos através de seus fatores, levando a aquisição da consciência crítica. Nesse contexto, Ramos (1965, p. 81), explicita que,

No domínio restrito da sociologia, a redução é uma atitude metódica que tem por fim
descobrir os pressupostos referenciais, de natureza histórica, dos objetos e fatos da realidade social. A redução sociológica, porém, é ditada não somente pelo imperativo de conhecer, mas também pela necessidade social de uma comunidade que, na realização de seu projeto de existência histórica, tem de servir-se da experiência de outras comunidades.

A realidade de cada comunidade é criada a partir de experiências particulares, as quais moldam uma cultura diferenciada. Os estudos realizados em outras comunidades servem como apoio ao entendimento geral em prol de uma teoria unificada, mas não servem como modelo a ser aplicado sem que se faça uma reflexão in loco do objeto estudado. Ramos (1965) mostra pelas discrepâncias entre a realidade dos Estados Unidos e Brasil, as quais diferem quanto ao enfoque dos estudos sociológicos, ou seja, o que é aplicado lá como estudo e teoria, não reflete as condições e realidade de pesquisa aqui no Brasil. Nesse sentido, Ramos (1965, p. 89), destaca que:

É certo que, na sociedade brasileira, se verificam situações que os sociólogos norte-americanos estudam à luz de conceitos como ‘controle social’, ‘assimilação’, ‘acomodação’, ‘conflito’, ‘isolamento’, ‘contato’ e, portanto, esses conceitos são aqui aplicáveis. Mas o importante é assinalar que tais situações, na etapa atual do Brasil, não têm a mesma relevância que nos Estados Unidos.”

Um importante aspecto em Ramos (1965, p.112), é a lei do comprometimento, a qual ressalta que “nos países periféricos, a idéia e a prática da redução sociológica somente pode ocorrer ao cientista social que tenha adotado sistematicamente uma posição de engajamento ou de compromisso consciente com seu contexto.” A posição de engajamento é,

baseada numa crítica radical, ou seja, numa reflexão sobre os fundamentos existenciais da ciência em ato ou da produção cientifica [...] é também a condição indispensável para que o cientista desses países se libere da ‘servidão intelectual’, transcenda a condição de copista e repetidor e ingresse num plano teórico eminente. (RAMOS, 1965, p. 113)

Ramos (1965) aponta para a importância de originalidade nos estudos para a transformação da realidade local. É buscando pesquisar com vistas ao futuro que o cientista consegue vislumbrar a redução sociológica, contribuindo para a não assimilação automática do saber estrangeiro.
A necessidade de se elaborar novos estudos com premissa de redução sociológica tem como pré-requisito a libertação de esquemas pré-concebidos aplicados nas universidades brasileiras. Só com mudanças na forma de ensino, impregnada de uma sistematização burocrática, voltada para o mercado capitalista, é possível superar a mesmice. Nesse sentido Tragtenberg (2004, p.12) defende que a universidade,

forma mão-de-obra destinada a manter nas fábricas o nepotismo do capital; nos institutos de pesquisa, cria aqueles que deformam dados econômicos em detrimento dos assalariados; nas suas escolas de direito, forma os aplicados de legislação de exceção; nas escolas de medicina, aqueles que irão convertê-la numa medicina do capital ou utiliza-la repressivamente contra os deserdados do sistema. Em suma, trata-se de “um complô de belas almas” recheadas de títulos acadêmicos, de doutorismo substituindo o bacharelismo, de uma nova pedantocracia, da produção de um saber a serviço do poder, seja ele de que espécie for.

Lobrot (1973, apud Motta, 1990, p. 48), destaca a questão do ensino sistemático sem reflexão, uma vez que,

o docente acha-se em situação semelhante à do aluno que percorre a infinidade de séries e níveis que vão da pré-escola à universidade e, cada vez mais, às pós-graduações exigidas por um mercado onde a oferta de pessoal formalmente educado é cada vez maior. É desnecessário insistir no papel dos exames e das notas, que se tornam necessárias à medida que todo o sistema é disfuncional. Não havendo qualquer possibilidade de um acompanhamento personalizado, o professor nada pode fazer além de tentar julgar por exames e notas.

Além disso, Tragtenberg (2004) também destaca a questão da universidade como uma “multiversidade” a qual está à venda quando oferece vários cursos com a simples motivação capitalista. A universidade também se torna uma multiversidade quando suas pesquisas são totalmente enviesadas para atender o mercado, esquecendo o caráter substancial inserido em sua missão, que é de retornar à sociedade os frutos de seu trabalho.
A questão a ser discutida é como as pesquisas no Brasil que podem obter um objetivo mais original baseado na redução sociológica, dado que as universidades possuem um viés para o mercado.

Referências bibliográficas

GUERREIRO RAMOS, ALBERTO. A redução sociológica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1965.

MOTTA, C.F.P. Organização e Poder: Empresa, Estado e Escola. São Paulo: Atlas, 1990.

TRAGTENBERG, M. Sobre educação, política e sindicalismo. São Paulo: Editora UNESP, 2004.